domingo, 3 de junho de 2012

Ironia no poema de Álvares de Azevedo


Álvares de Azevedo

É ela! é ela! — murmurei tremendo,
e o eco ao longe murmurou — é ela!
Eu a vi... minha fada aérea e pura —
a minha lavadeira na janela.

Dessas águas furtadas onde eu moro
eu a vejo estendendo no telhado
os vestidos de chita, as saias brancas;
eu a vejo e suspiro enamorado!

Esta noite eu ousei mais atrevido,
nas telhas que estalavam nos meus passos,
ir espiar seu venturoso sono,
vê-la mais bela de Morfeu nos braços!

Como dormia! que profundo sono!...
Tinha na mão o ferro do engomado...
Como roncava maviosa e pura!...
Quase caí na rua desmaiado!

Afastei a janela, entrei medroso...
Palpitava-lhe o seio adormecido...
Fui beijá-la... roubei do seio dela
um bilhete que estava ali metido...

Oh! decerto... (pensei) é doce página
onde a alma derramou gentis amores;
são versos dela... que amanhã decerto
ela me enviará cheios de flores...

Tremi de febre! Venturosa folha!
Quem pousasse contigo neste seio!
Como Otelo beijando a sua esposa,
eu beijei-a a tremer de devaneio...

É ela! é ela! — repeti tremendo;
mas cantou nesse instante uma coruja...
Abri cioso a página secreta...
Oh! meu Deus! era um rol de roupa suja!

Mas se Werther morreu por ver Carlota
Dando pão com manteiga às criancinhas,
Se achou-a assim tão bela... eu mais te adoro
Sonhando-te a lavar as camisinhas!

É ela! é ela, meu amor, minh'alma,
A Laura, a Beatriz que o céu revela...
É ela! é ela! — murmurei tremendo,
E o eco ao longe suspirou — é ela!
“É ela! É ela! É ela! É ela” é um poema irônico em que o Azevedo brinca com o próprio romantismo, ridicularizando-o. O poema aborda o tema da paixão impossível, da mulher inalcançável, do amor sem limites. O autor, como bom conhecedor daquilo que escrevia, zomba dos próprios ditames românticos byronistas dos quais ele lançou mão para escrever outros poemas. O eu-lírico segue ironizando a paixão platonica e sua musa, uma vez que rouba dos seios dela um bilhete que na estrofe seguinte, ele descobrirá que se trata de uma lista de roupas sujas. 


Letícia Ribeiro- 31 / Sophia Rolim- 47 - 9 ano C

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